Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.
A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem
vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de
cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as
amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou
comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as
obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente
proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o
óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos
de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas.
Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um
gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em
roda-livre.
Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e,
maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê,
o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida,
nem percurso, nem objectivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que
nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para
sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade.
Miguel Esteves Cardoso
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